TEXTO E IMAGEM CEDIDAS PELO PROFESSOR DR. 
No nosso dia-a-dia é muito comum vermos na televisão, ouvirmos no rádio ou lermos em revistas pessoas dizerem: “esta é a sua verdade”, “cada um tem a sua verdade”, “cada época tem a sua moral”, “cada cultura tem os seus valores”, “todas as religiões são verdadeiras”, “o que é verdadeiro para você não é para mim”. Ora o que estas pessoas querem dizer com estas expressões?

Se analisarmos estas expressões com calma vamos perceber que elas são carregadas de pressupostos, principalmente de um referencial filosófico chamado relativismo. Mas o que é o relativismo? Qual seu conteúdo? Quais suas formas e origem? Quais as implicações deste modo de pensar e conceber o mundo?

O relativismo é uma doutrina que afirma a relatividade do conhecimento humano.[1] Ou seja, há um condicionamento do sujeito que conhece sobre o objeto conhecido e também dos objetos entre si. Assim, a posição do sujeito, sua situação e momento condicionam e determinam o modo como ele vê e concebe a realidade. A pessoa, portanto, como um ser que sempre se encontra em uma circunstância determinada não consegue transcender esta particularidade e conceber algo universal. A única coisa que ela pode expressar é sua impressão sobre o que está observando, sua opinião, enfim aquilo que considera verdadeiro. Não há verdade absoluta ou universal.  Quando adentramos a História da Filosofia percebemos que o termo relativismo aparece a partir do século XIX, no contexto da Filosofia Moderna e Contemporânea. Porém, ao analisarmos as diversas correntes filosóficas desde o período antigo, vemos que existiram filósofos que comungavam com este modo de pensar, mesmo que ainda não usassem o termo. Ademais, o pensamento de alguns filósofos colaborou muito para a difusão deste modo de compreender o conhecimento humano.

Num primeiro momento é importante lembrarmos-nos da sofística grega. Os sofistas eram pensadores livres, professores de uma arte ou técnica que exerciam de maneira admirável conseguindo apresentar aos seus ouvintes os mais diversos temas de forma atraente. Procuravam ensinar o que era útil às pessoas fazendo uso da retórica, que nada mais era do que a arte da eloqüência, de saber falar bem e argumentar com eficiência com o intuito de persuadir o interlocutor. Procuravam persuadir apresentando a seus adversários as razões e definições de algo tendo por fundamento não aquilo que uma coisa é em si mesma, mas sim o modo como nós a apreendemos e de que maneira nos será útil. Além disso, distinguiam entre a convenção (nómos) fruto de uma decisão humana e a natureza (phýsis) que não depende da ação humana, pois segue uma ordem necessária. Eles despertaram no mundo grego o ardor pela retórica e também colocaram em dúvida a pretensão da filosofia de conhecer a verdade última das coisas.

Dois grandes nomes da sofística grega foram Protágoras de Abdera e Górgias de Leontini.

Há uma proposição de Protágoras que expressa de maneira clara o modo de pensar dos sofistas. Ele diz:

“O homem é a medida de todas as coisas, das que são pelo que são, e das que não são pelo que não são”.[2]

 

Ora, ao analisarmos esta sentença percebemos de maneira explícita a ideia de que as coisas, ou seja, os seres e os fatos em geral, não são por si mesmos. O que as coisas são ou deixam de ser depende do modo como cada homem ou pessoa individual apreende e julga a realidade, pois o indivíduo é a referência absoluta. Assim, não há uma verdade universal apoiada nas próprias coisas, no que elas são em si mesmas. Tudo varia de pessoa para pessoa. O que temos são meras opiniões sobre as coisas e o máximo que se pode pretender é tentar persuadir o outro que nossa opinião é mais útil ou eficiente naquele momento. Não tendo, portanto, a pretensão de achar que nossas ideias ou conceitos revelam o que as coisas realmente são, pois não há uma dimensão das coisas em si mesmas, como se elas tivessem uma identidade própria independente do que nós achamos sobre elas. Enfim, o que elas são ou deixam de ser é determinado pelo homem que as percebe, pois ele é a medida de tudo.

Num segundo momento nesta nossa genealogia do relativismo é importante mencionar o pensamento de Kant, filósofo alemão do século XVIII. Kant dizia que era necessário fazer uma revolução copernicana na filosofia, isto é, da mesma maneira que se passou do geocentrismo para o heliocentrismo vendo que não era a Terra o centro do universo, mas sim o sol, era preciso tirar o objeto do conhecimento do centro da reflexão filosófica e partir de uma análise do sujeito do conhecimento. Segundo ele a tradição sempre olhou o objeto do conhecimento e nunca analisou o sujeito do conhecimento e as condições de possibilidade do conhecimento humano. Assim, se partia do pressuposto que o ponto de partida do filosofar seria a realidade e que o homem de fato com sua estrutura natural teria capacidade de conhecer as coisas tais como elas são. Porém, para Kant isto era ma ilusão, pois o ponto de partida da busca do conhecimento deveria ser justamente a análise crítica desta faculdade de conhecer ou o sujeito do conhecimento, a razão.

A razão é uma estrutura vazia, mas universal, igual em todos os humanos. Esta estrutura seria constituída de uma forma da sensibilidade, a qual está relacionada com o espaço e o tempo. De uma forma do entendimento que utiliza diversas categorias e da forma da razão propriamente dita. No processo do conhecimento os conteúdos que irão preencher esta estrutura são provenientes da experiência sensível. Assim, esta estrutura a priori condiciona o modo como as informações empíricas serão organizadas e interpretadas.

Por conseguinte, para Kant, só podemos conhecer as coisas como fenômenos (phainomenon) e não em si mesmas (noumenon), flexibilizando e, num certo sentido, relativizando o conhecimento humano. Nunca poderemos ver a realidade em si mesma, mas apenas como ela se apresenta para o nosso modo de percepção humano.

Num terceiro momento é importante mencionarmos a filosofia de Nietzsche, um grande pensador do século XIX. A filosofia nietzschiana procura efetivar uma crítica ao modo como, muitas vezes, a questão dos valores morais foram entendidos na história do pensamento humano, principalmente na cultura ocidental.

Segundo Nietzsche, para compreendermos realmente a problemática dos valores morais é preciso efetivar uma genealogia da moral. É preciso questionar o que entendemos por bem e por mal. Analisar como se determina o que é o bem e o mal e também de que maneira busca-se legitimar o bem e o mal. A tendência da maioria das pessoas, segundo ele, é achar que o modo como estas questões são abordadas sempre foi o mesmo, como se fosse algo natural e universal as concepções de bem e mal. É contra este modo de pensar, que se esquece que os valores morais são históricos e construídos dentro de determinadas sociedades, que o pensamento nietzschiano se insurge propondo uma transvaloração dos valores.

A partir do perspectivismo e do experimentalismo, Nietzsche vai questionar qual é o valor dos valores mostrando assim que os valores são criações históricas. A compreensão do que seja o bem e o mal depende do contexto e da perspectiva em que isto é pensado. O que há na realidade são leituras e interpretações diferentes do mundo e das questões que emergem da vida. Talvez não se possa classificar o pensamento nietzschiano de relativista, pois ele não entendia que todas as interpretações da realidade teriam o mesmo prestígio e peso. Porém, é inegável que este perspectivismo possui uma semente de relativismo.

Além disso, a partir do século XIX vai se desenvolvendo uma percepção mais clara da historicidade do ser humano. A compreensão de que o ser humano é um ser histórico e, por conseguinte alguém profundamente inserido na sua época e realidade social levou muitos pensadores a entenderem a impossibilidade do ser humano transcender a sua particularidade.

O que percebemos na realidade, a partir desta breve reconstrução que fizemos, é que principalmente no período moderno, determinadas opções filosóficas foram feitas a partir de um conjunto de mudanças que ocorreu na cultura ocidental.

No século XVII a concepção de razão começa a se alterar. Enquanto os antigos e os medievais concebiam uma razão que possui uma abertura a totalidade do ser e que, apesar dos seus limites, era capaz de pensar o universal e transcender o particular, o mundo moderno estabelece a razão lógico-matemática, empírico-formal, como o modelo de instrumento de conhecimento. Não se nega o absoluto, mas se absolutiza o sujeito do conhecimento. Ou seja, no âmbito filosófico, desde o período antigo, a razão foi concebida, na maioria das vezes, com uma abertura ao ser e uma capacidade de reflexão metafísica. Já, no mundo moderno, a concepção de razão muda. O modelo lógico-matemático e empírico-formal vai ser a base da nova concepção de razão. A Transcendência real é trocada pela transcendência lógica. O primado não é mais do ser, mas sim do sujeito do conhecimento. A razão moderna, portanto, é primordialmente operacional vendo o homem apenas como objeto e esquecendo que este é chamado a voltar-se a uma realidade que o transcende.

A partir disto foi se estabelecendo uma desconfiança cada vez maior da capacidade da razão humana em conhecer realmente o verdadeiro. O caminho do verdadeiro foi perdendo espaço para o que se considera verdadeiro. Qual a consequência disso?

No dia-a-dia vemos constantemente os meios de comunicação (rádio, televisão, jornais, revistas) apresentarem versões altamente questionáveis e tendenciosas sobre os mais diversos assuntos: aborto, sexualidade, pobreza, inquisição, origem da vida, família, drogas, prostituição, educação, religião etc. Além disso, na maioria das vezes percebemos que não há um amor pela verdade, mas sim um intuito de defender uma ideologia ou cosmovisão totalmente questionável com o objetivo de influenciar o modo de pensar da maioria das pessoas manipulando dados e informações.

A consequência de tal trabalho já se manifesta visivelmente nas famílias e na vida das pessoas em geral. Uma mentalidade cada vez mais permissiva e relativista vai adentrando a cultura contemporânea. Uma crise ética e dos valores fundamentais vai se agravando de maneira nunca vista na sociedade. O desrespeito a vida humana e a hipervalorização do técnico e da produção fere profundamente a dignidade humana. Consequentemente o desprezo pelo Transcendente também cresce.

A Professora Nancy Pearcey, envolvida no debate atual entre criacionistas e evolucionistas nos Estados Unidos, nas suas obras A alma da Ciência e Verdade Absoluta, analisa como foi se formando este paradigma relativista predominante na nossa cultura.

Num primeiro momento a autora analisa a relação entre fé e cultura, explicitando como foi se formando uma postura relativista, agnóstica e antirreligiosa no meio acadêmico.

Nos dias atuais, segundo a professora, foi se estabelecendo uma fragmentação muito grande na sociedade criando, assim, uma dificuldade enorme para se viver qualquer tipo de integridade. Na família somos de um jeito, no emprego de outro etc. Qual a razão de ser de tudo isso?

Primeiramente devido a uma dicotomia social. De um lado temos a família, a igreja, os relacionamentos pessoais compondo a esfera privada. Do outro lado temos a esfera pública constituída da política, da academia etc. Essa dicotomia estaria apoiada numa outra divisão entre fatos e valores. Os primeiros como algo objetivo que se aplicam a todas as pessoas e os segundos como algo totalmente subjetivo. Assim, na medida em que a religião pertence à esfera privada ela é algo meramente subjetivo e a ciência na medida em que pertence à esfera pública é algo objetivo. Portanto, temos já estabelecido o início do conflito entre ciência e religião, verdade objetiva e verdade subjetiva levando, por conseguinte, segundo a autora, a um duplo âmbito da Verdade e até das ciências, pois de um lado teríamos as ciências humanas as quais estariam no âmbito do subjetivo e do relativo, e do outro lado as outras ciências que estariam no âmbito do materialismo e do naturalismo. O equipamento da mente moderna, portanto, levaria a isso.

Assim, para a professora Nancy, essa dicotomia social leva a uma dicotomia mental e epistêmica, na qual a verdade objetiva pode estar presente na ciência, na história, mas não nas questões éticas, por exemplo. Mas nem sempre foi assim segundo a professora. No século XIX, por exemplo, a unidade e possibilidade da verdade eram defendidas por alguns pensadores. Onde ou quando começou essa mudança?

No entendimento de Pearcey foi no ensino da evolução e na visão naturalista do conhecimento. A partir desse referencial, os dogmas teológicos e os absolutos filosóficos passam a serem vistos como fraudulentos. A religião pode existir e funcionar desde que não faça afirmações com pretensão de serem verdadeiras. Enfim, tanto a religião como a ética foram transpostas para o âmbito meramente pessoal.

Segundo a referida professora a guerra entre fé e ciência é um mito produzido pela teoria evolucionista. Portanto, no entendimento da autora, os pressupostos e implicações do darwinismo, seja no âmbito epistemológico, antropológico como moral, precisam ser abandonados, seja devido às suas limitações, seja para termos outra compreensão da relação entre fé e razão, religião e ciência.

Por fim, segundo Nancy Pearcey, é preciso recuperar a unidade da Verdade. Uma Verdade que tenha condições de tornar o todo da realidade coerente. Uma visão unificada da realidade contra a fragmentação moderna. Para ela, é preciso ter a coragem de se perguntar: minha cosmovisão consegue explicar e sustentar a totalidade da experiência humana?  Segundo a professora uma cosmovisão, relativista, materialista e naturalista, como o darwinismo, não.

Ademais, podemos perceber que o discurso relativista se apresenta no mundo moderno sob o conceito de tolerância e de liberdade.

Ora, a História da humanidade vivenciou no seu seio diversos fenômenos absolutistas e fundamentalistas. Ditaduras, estados totalitários e posturas autoritárias em vários momentos não respeitaram a liberdade de cada ser humano e a sua dignidade. O respeito ao diferente nem sempre foi vivido de maneira concreta. Minorias foram perseguidas e massacradas. Devido a isto se gerou certo consenso de que uma sociedade democrática necessariamente é relativista. Qualquer questionamento e discordância sobre o modo de viver e pensar do outro já é interpretado como intolerância e preconceito.

Que não seja concebível que alguém queira impor aos outros o seu modo de pensar, isto está claro. Que existem coisas que são relativas também é aceitável, pois existem situações e coisas que são indiferentes. Que a realidade humana e social mudam, que o modo de pensar muda de uma época para outra e de uma cultura para outra também. Que tudo isto influencia no modo como as pessoas pensam é inegável. Incontestavelmente essas coisas são reais, mas nada disso prova que não haja a verdade. É totalmente possível conciliar as afirmações feitas anteriormente e a defesa da verdade enquanto realidade universal e imutável.

Assim, não ter o direito de entender e propor que uma determinada visão de mundo é mais coerente e verdadeira que outra. Nem ter o direito de defender a existência da verdade e de valores perenes, parece ser um contra senso e um desrespeito à liberdade de pensamento do ser humano.

Será que podemos afirmar que estamos passando por uma ditadura do relativismo, como reiteradamente afirma o Papa Bento XVI?

É só olharmos ao nosso redor e vamos ver que sim. Na política, na ética, na família, no trabalho, na religião vê-se que o modo de pensar relativista é o que predomina. Há uma cisão no interior e na vida das pessoas. Na religião que freqüenta, por exemplo, professa uma fé e ao mesmo tempo afirma concepções que contradizem isto. Ensina uma determinada conduta e ao mesmo tempo vive-se o contrário. Assim, vai se estabelecendo um discurso fragmentado onde não há uma verdade integral. A idéia de que tudo é válido e legítimo se estabelece cada vez mais.

Assim, o que percebemos também é que o relativismo epistemológico acaba levando a outros tipos de relativismo, como por exemplo, o moral e o religioso. Há princípios básicos que servem para nortear o agir humano? Entretanto se o relativismo estabelece ou acaba levando a uma sensação que tudo é aceitável, pois não há o certo, como questionar as atrocidades éticas que vemos no mundo?

Evidentemente não resolvemos esta questão apelando para um universal abstrato, que não leva em consideração a situação concreta do indivíduo. A intenção e as condições em que um ato acontece sempre devem ser levadas em conta. Isso faz parte dos critérios da moralidade. Todavia isto não significa relativismo e nem defender uma ética situacionista. Mas sim estabelecer uma dialética entre a historicidade do ser humano e sua capacidade de transcendência.

Talvez seja necessário relembrarmos a distinção aristotélica entre o essencial e o acidental. O primeiro não muda, é universal e necessário, é o que mostra o que as coisas realmente são. Enquanto o segundo é contingente e, portanto pode ser diverso. Há coisas que são relativas outras não.

O relativismo só se afirma se partirmos do pressuposto que o real nada mais é do que uma construção da nossa mente. Porém como demonstrar isso? Uma coisa é supor, outra é provar. Todavia, o real não é um mero constructo humano. Ele é por si. Ele tem existência própria e por isso tem uma identidade em si mesmo. A verdade é justamente o real ou aquilo que mostra ele. Que o ser humano é um ser simbólico que constrói maneiras diferentes de se aproximar do real, isto a história mostra.

O ser humano foi constituindo certas formas de pensar e interpretar o mundo a partir de referenciais e perspectivas distintas. Assim, em alguns momentos procurou vislumbrar o real a partir do mito, isto é, de uma linguagem e de um modo de pensar metafórico e simbólico cujo intuito era expressar por meio de determinadas narrativas uma verdade imemorial. Em outros momentos preferiu, por determinadas condições históricas favoráveis, estabelecer e utilizar um pensamento fundado na razão, cuja lógica exclui a contradição, o fantasioso, considerados absurdos. Neste trabalho de olhar o real a partir do logos demonstrativo é que vai surgir também o discurso científico, no sentido moderno do termo. Geralmente o que se denomina conhecimento científico é a noção elaborada a partir da modernidade cujo modelo é a matriz lógico-matemática. Ademais, a possibilidade de verificação experimental de qualquer enunciado é o critério principal da sua veracidade. Excluí-se, portanto, desta concepção, a visão aristotélica de ciência, por exemplo. Além desses meios mencionados, a arte e a religião, uma por meio da experiência estética e outra a partir da questão do sagrado, permitem outro olhar sobre a mesma realidade. Desta maneira, parece que o que temos é o mesmo homo sapiensanalisando o real a partir de olhares diferentes.

Contudo, esses olhares se complementam e ajudam o homem a conhecer cada vez mais a verdade na sua totalidade.

Enfim, percebemos que esta mentalidade relativista também está intimamente ligada à sociedade capitalista em que vivemos. A busca pelo sucesso, pela fama, pelos bens materiais e pelo prazer, a qualquer custo, predomina no contexto social atual.

A sociedade contemporânea salienta, cada vez mais, a realização pessoal, o prazer, o saber e a qualidade de vida como pré-requisitos para se atingir a felicidade.

Ora, mas o que vem a ser a vida feliz? A sociedade de consumo será o caminho para satisfazer o desejo de felicidade do ser humano?

No mundo contemporâneo percebemos que o ser humano continua se questionando sobre o que é ser feliz e qual o caminho que nos leva até a vida feliz. Parece que realmente o desejo de ser feliz é algo muito forte na natureza humana. Porém, ao mesmo tempo, cada ser humano se depara com o seu drama existencial, isto é, a experiência da própria finitude, das próprias limitações, das frustrações e injustiças da vida. E tudo isso, muitas vezes, acaba esvaziando de sentido a busca da felicidade. Esta acaba parecendo um desejo irrealizável ou uma verdadeira ilusão. Quando pensamos que atingimos a felicidade somos surpreendidos pelas contingências e dores da vida.

Todavia, no mundo contemporâneo, na sociedade do hipercapitalismo e do consumo onde tudo é transformado em mercadoria, parece que não se pensa sobre o drama da existência humana, mas ao contrário, tenta-se negar esse drama e vender a felicidade associando-a a determinados produtos e assim ser feliz passou a ser uma questão de ter coisas, de poder consumir certos produtos. Ter dinheiro, comprar roupas, viajar, ter fama, satisfazer todos os desejos pessoais etc., é vendido como passaporte para a vida feliz.

O fato é que esta postura gera uma mentalidade relativista, achando que os fins justificam os meios, e também um vazio existencial nas pessoas, despertando muitas vezes depressões e distúrbios sérios nos indivíduos e na sociedade em geral. As pessoas acabam não sabendo o que fazer com suas frustrações e dores. O individualismo se acentua e a perda de sentido da vida é inevitável. Além disso, a crise ética que percebemos na sociedade é um reflexo desta hipervalorização do ter em detrimento do ser. Para se possuir uma postura ética é preciso se questionar sobre o sentido radical do humano, sobre a importância do outro na nossa vida e principalmente sobre o nosso modo de ser.

Há uma dificuldade muito grande, no mundo atual, em entender a relação entre verdade e liberdade. Parece que se afirmarmos a existência de uma verdade absoluta é como se estivéssemos negando a liberdade do homem. Ora, o ser humano é livre ou determinado? O que significa ser livre?

Vivemos em uma época em que cada vez mais as pessoas lutam por mais liberdade e ao mesmo tempo se tornam escravas de várias coisas, inclusive de si mesmas.

A escravidão tira do ser humano sua capacidade de escolher por si mesmo, de se posicionar perante algo e assim de tomar uma decisão de maneira não coagida. Assim, num primeiro momento, o ser livre ou ter liberdade é justamente não ser dominado por nenhuma escravidão e desta forma poder decidir-se sem nenhuma coação. Contudo, devemos tomar cuidado para não usar isso como desculpa para satisfazer nossos desejos e impulsos mais primitivos e inferiores. Ser livre, nesta perspectiva, não é simplesmente realizar todos os meus apetites. Não é apenas fazer o que eu quero, mas principalmente o que eu devo. É conseguir escolher sempre o melhor, o verdadeiro, o bem.

É preciso ter claro, portanto, que uma coisa é o livre-arbítrio da nossa vontade outra coisa é a liberdade da vontade. A nossa vontade é uma capacidade da nossa alma de querer e produzir atos voluntários de tendência consciente. O livre-arbítrio permite a vontade operacionalizar de maneira não coativa. Pelo conhecimento intelectual que tenho de um objeto passo a ir ao encontro dele a fim de possuí-lo sem coação. Isto é possível porque tenho uma vontade e também um livre-arbítrio dela.

Todavia só isto não basta. É preciso neste processo do querer voluntariamente de forma não forçada chegar à liberdade da vontade, ou seja, possuir de fato uma vontade livre. Não basta ter uma capacidade que me permite querer de maneira não coagida. Ser livre, ter uma vontade livre implica sempre querer e escolher, não qualquer coisa, mas o melhor, o bem devido. Infelizmente hoje em dia a sociedade defende, cada vez mais, a ideia de que ser livre é realizar os próprios desejos e apetites.

Enfim, o exemplo do drogado mostra bem a falsidade disto. Por um lado ele faz o que quer, mas por outro, mostra como é escravo. Ou seja, quando vêm os momentos de crise e percebe os malefícios das drogas vislumbra como é escravo de si mesmo, pois não consegue querer e escolher o melhor, o que deve, apesar de entender que aquilo não convém. A presença de um mau hábito, um vício, compromete a liberdade da sua vontade.

Assim, o mundo contemporâneo nos mostra, com todos os seus problemas, que a felicidade não está no ter e na mera materialidade da vida. Que o ser humano realmente precisa de pontos e referências sólidas que norteiam a sua existência e as suas escolhas. Que o amor pela verdade é algo fundamental na vida humana e que o relativismo é uma grande questão a ser refletida.

 

 

Referências Bibliográficas

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Guthrie, W.K.C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1995.

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Lima Vaz, H. C. Ética e razão moderna. Ética na Virada do Milênio. São Paulo: Ltr, 1999, pp. 57-90.

Nancy R. Pearcey,  A alma da Ciência. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005.

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Nietzsche, F. Além do Bem e do mal. São Paulo: Cia das Letras, 1993.

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Ratzinger, J. Fé, Verdade e Tolerância. São Paulo: Instituto Raimundo Lúlio, 2007.

Reale, G. O saber dos antigos. São Paulo: Loyola, 1999.

 

 

 

Texto publicado na Revista Guia Prático de Teologia  nº 3- Ano 1

[1] Cf. Abbagnano, N. Dicionário de Filosofia, p. 845-846.

[2] Platão, Teeteto, 151 e 152.